Fernanda Morais é historiadora e Coordenadora do Educativo da Fundação Energia e Saneamento; e Ana Luísa Vieira, é graduanda em Física Médica e estagiária no Museu da Energia de Itu.
Em dezembro de 2019, recebemos as primeiras notícias sobre um novo vírus que arrastou o mundo a um cenário incerto e preocupante. Em pouco tempo, vimos uma escalada crescente, pessoas contaminadas pela SARS-CoV-2, ou Coronavírus, como se popularizou, podem ter casos assintomáticos, leves ou em alguns casos mais graves, levando a óbito. Hoje, o Brasil já ultrapassa a marca de 370 mil mortes.
A melhor alternativa apresentada pelas entidades de saúde é a vacinação em massa, porém, o acesso à vacina é restrito. Enquanto muitos países estão completando seus ciclos de vacinação, há nações que não receberam uma dose. Essa discrepância trouxe à tona, nas últimas semanas, uma velha discussão: a quebra das patentes.
Há um movimento que extrapola o debate científico e chega à pauta política e econômica: a renúncia às patentes da vacina pode representar um movimento positivo de transferência de tecnologias, permitindo que países em desenvolvimento possam produzir suas próprias vacinas.
Do outro lado, grupos liderados pela indústria farmacêutica afirmam que a patente não é o ponto de interesse, uma vez que inúmeras licenças já foram distribuídas e que a produção das vacinas requer muito mais desenvolvimento técnico, não sendo a simples quebra de patentes a solução.
No passado, a Anvisa já rejeitou pedidos de patentes para garantir que medicamentos eficazes estivessem disponíveis para o maior número de pessoas, e o mais rápido possível. Esse foi o caso quando o governo brasileiro forçou a licença compulsória contra o monopólio de fármacos usados no tratamento de HIV/Aids.
O termo patente, latim patere, significa tornar público. Na Idade Média, os soberanos concediam o privilégio, de forma arbitrária, para a realização de determinados comércios ou ofícios. Acredita-se que a primeira patente foi concedida a um arquiteto no ano de 1421, em Florença, para construir o transporte de cargas para um rio. O documento ainda trazia a recomendação de que se alguém produzisse uma imitação, esta deveria ser queimada.
É no final do século XIX, no momento da chamada “Belle Époque”, que, em função das Exposições Universais, inicia-se uma movimentação para a internacionalização das patentes. O Brasil se tornou um dos primeiros estados-membros da Convenção de Paris para a Proteção da Propriedade Intelectual. Entretanto, a concessão de patentes para estrangeiros no Brasil, abriu um grande precedente, e inventores como Thomas Edison requereram suas patentes do fonógrafo e da iluminação elétrica.
Uma amostra dessa ação estrangeira está preservada no acervo da Fundação Energia e Saneamento: a carta-patente, assinada pela Rainha Vitória em 1899, e registrada no Canadá, que autorizou a criação da The S.Paulo Railway, Light and Power Company, Limited. Mais conhecida como Light, a companhia explorou os serviços de transporte e iluminação pública elétrica na Capital paulista, estendendo sua ação monopolista, no século XX.
O interesse de Thomas Edison estava no fator produtivo: os inventos só são relevantes para os negócios quando podem ser produzidos e comercializados, para isso o inventor requereu quase duas mil patentes registradas, garantindo o monopólio sobre produtos, serviços e principalmente, o direito de abrir processos contra os inventores ou industriais como ocorreu com George Westinghouse: foram mais de 300 processos movidos contra o empresário e suas subsidiárias de energia.
Edison e Westinghouse encabeçaram a “batalha das correntes”, e um novo rosto é apresentado nesta história: Nikola Tesla, que trabalhou para Westinghouse na criação de um gerador de corrente alternada para operacionalizar o projeto de expansão da iluminação elétrica nos EUA.
Disputas e quebras de patentes, como as vividas por Edison, Westinghouse, Tesla e outros cientistas, colocavam em jogo o desenvolvimento tecnológico e os interesses comerciais e capitalistas.
Hoje, há um novo fator: a sobrevivência a um vírus que já ceifou quase três milhões de vidas.