O rapper Shackal está de volta e mais questionador do que nunca. Um dos precursores do movimento Hip Hop no Brasil mergulha nos dilemas sociais que assolam o país e o mundo no seu novo single, “Qual é da Viagem?”, acompanhado de clipe, disponível nas plataformas digitais.
No novo trabalho, o artista, que não lançava um single desde “Look to Lapa”, parceria com Yuri Rasta e Bril Martins, e “Um Mundo Novo”, com BNegão, em 2021, reflete sobre os graves problemas enfrentados pela população mais pobre, como a fome e o preconceito, em meio a um cenário caótico com pandemia, guerras, corrupção, violência urbana e conflitos de todo tipo. No clipe, ele acompanha, incrédulo, pela TV todo o absurdo de episódios vividos no nosso dia a dia.
– Milhões de pessoas abaixo da linha da pobreza. Quantas pessoas com fome! Desde Pedro Álvares Cabral nessa mesma fita. É o mesmo filme, só mudam os personagens – comenta Shackal.
O single conta com produção da Tudubom Records, MãoLee no Beat, Dallas77 e LN, além de participação de Taís Feijão. Já o clipe teve direção de Patrícia Villalba, que assina também o roteiro com Shackal e a montagem, e Tota Paiva, na direção de fotografia.
Para conferir “Qual é da Viagem?”, acesse https://onerpm.link/172839237146 e o clipe em https://www.youtube.com/watch?v=Bw1CxT_EMcc
Das ruas da Lapa para o mundo
Velho conhecido da cena underground artística e cultural do Rio de Janeiro, Shackal nasceu numa das maiores favelas do país, a Rocinha, em 1973, e desde criança é apaixonado pela música, quando tirava sonoridade das suas pipas e as usava como instrumentos musicais. No quintal de casa, ouvia com seus familiares artistas como Bebeto, Bezerra da Silva, Jovelina Pérola Negra, Tim Maia e Jorge Benjor, e pegou o finalzinho da avalanche que foi o movimento “Black Power”, que balançou as estruturas do sistema com James Brown e George Clinton, entre outros grande ícones da Soul Music.
– Sempre tinha som na laje do Aloísio, DJ lá na rua 1 da favela da Rocinha. O som ecoava das caixas em cima da laje e toda a comunidade ouvia e dançava – recorda.
No fim dos anos de 1980, encontrou-se no hip hop e, em especial, no rap de uma forma tão profunda que, moldado pelo que vivia, via e ouvia, transportou para sua arte as vozes dos oprimidos, amplificando-as em sentido, direção, versos e rimas.
No início da década de 1990, após se filiar à Associação Atitude Consciente (ATCON), fundada por MV Bill, Filhos do Gueto, Damas do Rap, DJ TR, Gabriel O Pensador, Def Yuri, entre outros, trabalhou em projetos com Marcelo D2, Hip Hop Rio, Mano Brown, Nação Zumbi, BNegão e Planet Hemp. Participou e produziu grandes eventos, como Rio Parada Funk, Eu Amo Baile Funk, Voz Ativa (o primeiro festival de rap do Rio de Janeiro) e Festa Zoeira Hip Hop. Além do sucesso solo, participou do grupo 3preto, com os rappers Aori, Mistério e o DJ Mohamed Malok (que mais tarde despontaria com Seu Jorge na banda Farofa Carioca). Nessa época, ganhou o título de “O Poeta do Rap”. No entanto, Shackal também teve contato precoce com as drogas e isso lhe gerou vários problemas, desde internações até chegar ao fundo do poço, indo morar nas ruas da Lapa, no Centro do Rio.
Após exposição nacional em um programa de TV, o rapper começou a vencer a batalha contra as drogas em 2013 e, mesmo com dificuldades, retomou a carreira. Mais ainda: abraçou o propósito de construir um presente e um futuro diferentes para si e para o próximo.
– Renasci das cinzas, como uma fênix, em 23 de abril de 2016, após me tratar com uma planta africana, a Ibogaína, da tribo dos Bwitis, do Gabão. Voltei ao game como um furacão com a força dos deuses africanos – conta.
Livre do vício por completo, retomou o grupo 3preto, após 15 anos, voltando a produzir músicas, clipes e álbuns. Logo depois, em 2017, participou da turnê do álbum Boogie Naipe, convidado por Mano Brown, e, em 2018, do festival #Dáprafazer, com Emicida. Em paralelo, idealizou e colaborou com diversos projetos, como o “Rio Freestyle Batalha de Rimas, Slam de poesias, Skate — um verdadeiro encontro da juventude”, circuito em parceria com a Red Bull e a Prefeitura do Rio que rodou por diversos bairros da capital. A sua história virou documentário em 2019.
“Nós por nós”
Em 2020, ele criou a Tropa da Solidariedade, projeto social voltado às pessoas em situação de rua e famílias periféricas cariocas. A iniciativa começou no início da pandemia com o objetivo de ajudar as pessoas mais vulneráveis e à margem da sociedade com itens básicos de higiene e de alimentação, com alimentos orgânicos obtidos diretamente com pequenos agricultores fluminenses e, através de mutirões, juntam um grupo numeroso e diverso de voluntários para preparar refeições e distribuir aos moradores em situação de rua. Desde então, o movimento já impactou mais de 20 mil famílias.
– Temos histórias silenciadas pela dor, o abandono, a indiferença e a falta de perspectiva. É um momento crítico para a população em áreas marginalizadas, que agora enfrenta fome e incapacidade de cuidar de si e de suas famílias, mesmo com as necessidades básicas. Nessas ações, conseguimos juntar a cidade partida, levando para um campo de reflexão pessoas de diferentes bairros da cidade. Assim nasceu a família Tropa: de um desejo de sobrevivência e com muita sede de uma sociedade mais justa e digna para todos. Devido ao sucesso dos mutirões, conseguimos a doação de um espaço no Beco dos Carmelitas, que se tornou a nossa sede. Lá, realizaremos uma série de atividades com enfoque social e recebemos doações diversas, como agasalhos, alimentos e itens de higiene básica – explica.
Beco do Pantera
Além do auxílio imediato nesse momento tão delicado, o acesso à cultura e a revitalização urbana são importantes pilares na atuação do também empreendedor social Shackal com a Tropa. E a pedra fundamental nesse processo é a revitalização do Beco dos Carmelitas, na Lapa, no Centro da “Cidade Maravilhosa”, degradado há anos e ainda mais após a pandemia de Covid-19.
O local se tornará o “Beco do Pantera”, com novas cores, imagens e formas, inspirado no “Beco do Batman”, em São Paulo. O nome faz referência a outro super-herói, o Pantera Negra, em conexão às raízes africanas da região. O objetivo é que nasça do espaço a maior galeria de arte a céu aberto do estado e uma das maiores do Brasil. O projeto já conta com a colaboração de mais de 16 artistas da pintura e do grafite e o rapper busca apoio para ampliar a intervenção por todo o bairro.
– A ocupação e a revitalização de espaços públicos estão entre as prioridades da Tropa. Vamos transformar o Beco dos Carmelitas, ponto abandonado na região, num ponto de interseção entre cultura, arte, educação, empreendedorismo e impacto social. Para isso, contamos com o apoio de artistas como Jotape Pax, Lídia Viber, Agrade Camíz, Bragga, Airá Ocrespo, Marcelo Ment e Carlos Bobi. Vamos também abrir espaço para artistas locais, com oficinas de grafite – destaca.
Parceria internacional
Shackal esteve recentemente no Canadá, convidado pelo Vancouver Mural Festival, um dos maiores eventos de arte urbana do mundo, onde palestrou sobre a experiência com o Beco do Pantera e a Tropa da Solidariedade. A partir desse intercâmbio, fechou parcerias para a sequência do processo de revitalização da Lapa e para a realização de uma versão brasileira do prestigiado festival em 2023.
Para saber mais sobre Shackal e seus projetos, acesse https://linktr.ee/shackal