O projeto Cinema Falado, que traz mensalmente filmes brasileiros para serem exibidos e comentados por especialistas e críticos de cinema no MIS Cine Santa Tereza, em Belo Horizonte, terá AMANHÃ, dia 17, terça-feira, às 19 horas, na sala Geraldo Veloso, o longa “A hora da estrela” (1985), de Suzana Amaral. O filme é uma adaptação da obra homônima da escritora Clarice Lispector, narrando a parte final da vida de Macabéa, uma moça nordestina, órfã, trabalhando como datilógrafa em São Paulo. Incapaz de enxergar a maldade, ela compõe uma figura alienada para quem tudo parece natural. Para o namorado, que é mais um amigo, ela declara, em certo momento, que o que mais queria é ser artista de cinema. A antropóloga, escritora e estudiosa da condição da mulher, Dalva Maria Soares, comentará o filme. A entrada é gratuita. O endereço é Praça Duque de Caxias, bairro Santa Tereza, Belo Horizonte.
A promoção é do Centro de Estudos Cinematográficos e do Instituto Humberto Mauro. O projeto conta em 2020 com recursos da Lei Municipal de Incentivo à Cultura.
Cinema Falado
Cinema Falado é um projeto do Centro de Estudos Cinematográficos de Minas Gerais (CEC-MG) e do Instituto Humberto Mauro, em memória do crítico e cineasta Geraldo Veloso.
A comentarista
Dalva Maria Soares é graduada em ciências sociais pela UFMG e doutora em antropologia social pela UFSC. É pesquisadora das culturas populares, mais especificamente do Reinado de Nossa Senhora do Rosário, popularmente conhecido como congado, com ênfase na trajetória de mulheres. Participa, juntamente com outras 19 mulheres, das coletâneas “Raízes: escritoras negras, resistência histórica” (2018), e “Raízes: resgate ancestral” (2019), publicadas pela Editora Venas Abiertas. É também mãe do João Pedro e escreve para diminuir a febre de sentir.
O filme
Para compor a Macabéa de “A Hora da Estrela”, Suzana Amaral optou por realizar um filme com poucos diálogos, no qual o silêncio traduz a solidão de uma personalidade com grande dificuldade em se expressar. Como escreveu o crítico José Carlos Avellar, a atriz Marcélia Cartaxo “consegue passar para o espectador não apenas o que Macabéa é na sua aparência, mas também, o que ela sente e não consegue expressar… São informações e sentimentos que a atriz passa sem diálogos (…), com os olhos, com um tremor leve no canto da boca, com um movimento inseguro das mãos”.
A lentidão dos planos, as locações sombrias e claustrofóbicas, o céu nublado, as cores frias e a fotografia sem brilho também compõem a atmosfera de tristeza e de falta de perspectivas de seu cotidiano. A vida de Macabéa é contada em estilo realista clássico, simples e direto, sem a intervenção de um narrador, ao contrário do livro.
Em depoimento publicado em 1991, na revista “Comunicações e Artes”, Suzana Amaral observou que essa opção é proveniente de sua convicção de que a dramaturgia cinematográfica deve se concentrar mais na ação dos personagens do que nos comentários de um narrador: “A linguagem, a gramática e o código nós copiamos dos norte-americanos (…) [É o cinema americano] que dita o código: todo mundo assiste e está acostumado. Então, sair daquilo ali, embora você queira romper com isso (…), você vai criar filmes que não serão digeridos, que não podem ser consumidos …. [Minha opção foi a] de começar a história direto, de simplificar, sem nenhuma intelectualização”.
A decisão foi elogiada pela maior parte da crítica. O filme foi considerado fiel ao espírito da obra de Clarice Lispector nos artigos “The current cinema: virgins, vamps, and floozies”, da celebrada crítica de cinema Pauline Kael, do “The New Yorker”, e “O canto do cisne de uma escritora”, de Giovanni Pontiero, publicado em “O Estado de S. Paulo”.
Um dos textos mais significativos é de Tales A. M. Ab’Saber, no qual o autor procura demonstrar que, mesmo sem a presença do narrador, alguns artifícios cinematográficos conseguem gerar uma reação de impaciência — ou de preconceito — no espectador. De acordo com Ab’Saber, essa “afetividade negativa”, construída num jogo no qual o espectador se reconhece nos personagens que falam mal de Macabéa, é fundamental como estratégia de linguagem para adaptar “A Hora da Estrela”.
O primeiro longa-metragem de Suzana Amaral recebeu 12 prêmios no Festival de Brasília de 1985, inclusive os de melhor filme e direção. No Festival de Berlim de 1986, Marcélia Cartaxo recebeu o prêmio de melhor atriz. Em 1990, a cineasta foi condecorada com a Ordem do Rio Branco pela contribuição do filme à divulgação do Brasil no exterior.
A cineasta
Natural de São Paulo, capital, Suzana Amaral é de 1928. Começou a carreira aos 40 anos de idade, no final dos anos 60, quando já era mãe de nove filhos e quase avó. Nessa condição, prestou vestibular para o curso de cinema na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP). Nesse período, realizou os curtas-metragens “Eu sou Vocês, Nós Somos Eles” e “Semana de 22”, ambos de 1970, e “Sua Majestade, Piolin”, em 1971.
A partir de 1972, deu aulas de roteiro e fotografia na ECA/USP e produziu e dirigiu mais de 50 documentários para o extinto programa Câmara Aberta da TV Cultura de São Paulo. Entre 1976 e 1979, fez mestrado em direção cinematográfica na Tisch School of the Arts da New York University (NYU) e cursou direção de atores no Actor’s Studio, também em Nova York. Seu mestrado foi finalizado com o documentário “Minha Vida, Minha Luta”, que conquistou o prêmio de melhor média-metragem no Festival de Brasília.
Depois de “A Hora da Estrela”. filmou o longa-metragem “Uma Vida em Segredo”, baseado no livro de Autran Dourado, em 2001. Em 2009, realizou “Hotel Atlântico”, também uma adaptação literária, do romance homônimo de João Gilberto Noll.
Suzana Amaral é irmã da crítica de arte Aracy Amaral e sobrinha-neta da pintora Tarsila do Amaral.
SERVIÇO
Cinema Falado traz ao MIS Santa Tereza “A Hora da Estrela”
Data: 17 de março (terça-feira)
Horário: 19 horas
Local: MIS Santa Tereza – Praça Duque de Caxias, bairro Santa Tereza, Belo Horizonte
ENTRADA GRATUITA