“Um artista barroco e multimídia, que não se contenta com nenhuma zona de conforto. Um criador que, quando alcança algum lugar, é capaz de partir, na sequência, para outro extremo”. Essa é uma das definições de Eder Santos nas palavras do curador Luiz Gustavo Carvalho, responsável pela seleção das obras da exposição “Retro / Ativa”, que chega ao Memorial Minas Gerais Vale neste sábado, dia 6 de maio. Com 13 trabalhos que traçam um panorama da múltipla produção do artista multimídia mineiro e dialogam com o espaço arquitetônico do Memorial, a exposição itinerante fica em Belo Horizonte até dia 23 de julho, antes de circular por outras três capitais brasileiras: Vitória, no Espírito Santo; Belém, no Pará; e São Luiz, no Maranhão. Gratuita, a visitação acontece nas terças, quartas, sextas e sábados, das 10h às 21h; e nas quintas-feiras, das 10h às 21h30. Este projeto é realizado por meio da Lei Federal de Incentivo à Cultura, do Ministério da Cultura e Governo Federal União e Reconstrução, e tem patrocínio do Instituto Cultural Vale. Outras informações podem ser encontradas no site www.memorialvale.com.br.
Mesclando diferentes linguagens e técnicas, a obra de Eder Santos borra fronteiras entre artes visuais, cinema, teatro, vídeo e novas mídias. Pioneiro da arte multimídia no Brasil, sua trajetória confunde-se com o início da produção audiovisual nas artes plásticas, nos anos 1980, que funde o padrão estabelecido pelas televisões e as experimentações com o vídeo-amador. “A maioria dos trabalhos da exposição traz essa coisa da tecnologia, que sempre esteve presente na minha obra. Mas a tecnologia acidental, como forma de experimentar. O ruído, a distorção, o desconforto. Usar como ferramenta, sem respeitar muito a tecnologia, sem se entregar ao monitor”, pontua o artista. Diretor do Memorial Vale, Wagner Tameirão destaca a importância de sediar a exposição de um nome tão significativo para o cenário da arte contemporânea brasileira. “Espaço do Instituto Cultural Vale, o Memorial Minas Gerais Vale reflete a intensa e diversa cultura mineira. A exposição ‘Retro / Ativa’, de Eder Santos, ocupa um espaço de memória neste sentido, com trabalhos que resgatam os muitos anos de trajetória do artista”, reflete o gestor.
Eder Santos sublinha a presença de três novas obras na exposição – “Janaúba” e “Barravento Novo”, trabalhos de outros tempos, que ganharam formatos nunca antes mostrados – e a inédita “Oxalá”. “É importante dizer que algumas das minhas obras têm versões duplas, triplas. Como ‘Janaúba’, que surgiu como performance e depois virou um vídeo, em 1993, exibido em festivais de cinema e premiado no ‘Videobrasil’. Agora, ele chega neste formato de videoinstalação, que ainda não foi apresentado. Essas duas obras que foram repaginadas, curiosamente, tratam do cinema”, comenta Eder Santos, autor de 15 curtas, três longas-metragens e várias séries televisivas. “‘Janaúba’ traz questões mineiras, que remetem a Guimarães Rosa e, ao mesmo tempo, faz referência a ‘Limite’, de Mário Peixoto, e a ‘Carro de Boi’, de Humberto Mauro, figuras importantes do nosso cinema. Já ‘Barravento Novo’ é uma releitura do filme de Glauber Rocha, que leva o cinema para a videoinstalação”, completa o artista, ressaltando que “Barravento” tem atuação de Antônio Pitanga, protagonista do filme de Glauber Rocha, bem como da filha e da neta do ator, Camila Pitanga e Antônia Peixoto.
Para Luiz Gustavo Carvalho, as obras inéditas trazem um aspecto importante para a seleção, que vai ao encontro do título da exposição. “É uma retrospectiva que contempla vários períodos da carreira de Eder, mas que não trata de um trabalho fechado, muito pelo contrário. Estamos falando de uma produção totalmente ativa, e as obras inéditas permitem o olhar para os novos inícios”, pontua o curador, ressaltando que o artista mineiro possui trabalhos em coleções permanentes de instituições como os Museus de Arte Moderna da Bahia, de São Paulo e do Rio de Janeiro, o Museu de Arte Moderna de Nova York – MOMA (Nova Iorque, Estados Unidos), o Centre Georges Pompidou (Paris, França) e a Cisneros Fontanals Art Foundation (Miami, Estados Unidos). Mesmo algumas criações antigas apontam para o futuro, já que trazem relação com projetos futuros do artista, como no caso da celebrada série “Enciclopédia da Ignorância”, de 2003, cujas obras “Preguiça”, “Humilhação” e “Ciúme” fazem parte exposição. “Em julho, apresento, em São Paulo, a segunda versão da ‘Enciclopédia da Ignorância’, com novos verbetes como intolerância, falsidade e culpa, e obras que terão a inteligência artificial como uma das ferramentas”, adianta Eder Santos.
Diálogo entre a exposição e o Memorial Vale
O curador de “Retro / Ativa” ressalta, ainda, o diálogo criado pela montagem entre os trabalhos apresentados e o espaço arquitetônico do Memorial Vale, que incita a dissolução da barreira entre o público e a obra de arte. “Fiz essa provocação ao Eder, para que ele se apropriasse do espaço do Memorial, um prédio histórico da cidade, e ele aceitou prontamente. Então, mapeamos o edifício e seus elementos arquitetônicos, criando uma ocupação não só do espaço expositivo, mas também das áreas de passagem”, conta Luiz Gustavo Carvalho. Eder Santos conta que a obra “Iluminado” acabou sendo escolhida, neste sentido, para criar um diálogo entre a exposição e a Praça da Liberdade. “Essa obra é um poste de iluminação, que ao invés de lâmpadas tem uma projeção. A estrutura do poste, coincidentemente, é a mesma dos postes da praça, então a colocaremos do lado de fora, convidando as pessoas a entrarem na exposição”, afirma.
Chegando ao Memorial Vale, o visitante vai se deparar com “Dogville”, videoinstalação de 2012 que traz diversas televisões com imagens de cachorros “aprisionados” aos monitores. “O trabalho provoca a reflexão sobre como ficamos presos e, ao mesmo tempo, atraídos pelo monitor. Sobre essa rede que fazemos parte, que é a televisão, ferramenta que inclusive uso pouco nos meus trabalhos, apresentados em sua maioria por projeções”, diz Eder Santos, artista cujo universo temático perpassa, ainda, assuntos do cotidiano e questões entrelaçadas à mineiridade, como o território e a religiosidade. “Por meio da vídeo-arte, o visitante estará diante das paisagens mineiras e de seus atravessamentos, bem como de provocações sobre aspectos da vida contemporânea. Por mais que as ferramentas se relacionem à vida acelerada da atualidade, são obras que demandam tempo e reflexão para serem contempladas”, finaliza Luiz Gustavo Carvalho.