Começaram a ser publicados nesta semana, no site da Editora UFMG, os fascículos do livro Arquivo pandemia: diários íntimos, recortes poéticos, históricos, geográficos, políticos, antropológicos, artísticos, psicossociais do isolamento. A obra é uma coletânea de textos e imagens – desenhos, ilustrações e fotografias – produzidos por artistas e intelectuais nos primeiros meses da atual pandemia de Sars-coV-2.
Iniciativa de Vera Casa Nova, professora aposentada da Faculdade de Letras da UFMG, e Andréa Casa Nova Maia, docente de História e História da Arte da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Arquivo Pandemia é uma coletânea de produções artísticas, ficcionais e testemunhais sobre a experiência do isolamento social que tem sido mantido por uma parte da sociedade do país, com vistas a frear a proliferação da covid-19, doença que já matou mais de meio milhão de pessoas no mundo.
“Perdas e faltas habitam nosso tempo excessivamente du¬rante uma pandemia tornada guerra. E, como numa guerra, se levantam gestos, num movimento de fluxos e refluxos. O que leremos aqui é o que Walter Benjamin chama de uma política poéti¬ca”, escrevem as organizadoras na apresentação da obra.
“Aqui, acolá, num texto ou noutro, numa espécie de mate¬rialismo antropológico que é capaz de agarrar esse momento de absoluta tensão, manifesta como uma enervação do corpo coletivo, uma histeria generalizada, vista através das redes sociais”, registram.
Nomes como Márcio Seligmann-Silva, Rafael Climent-Espino, Márcio Venício Barbosa, Toti Meer e Júlio Pinto assinam os primeiros trabalhos que começam a vir a público. Ao todo, serão 74 fascículos, que estão sendo publicados gradativamente. O download é gratuito. Ao final, o conjunto será reunido em um livro digital.
A seguir um trecho do texto O baile da Ilha Fiscal, em que Nuno Ramos depõe sobre a sua quarentena em São Paulo e faz uma leitura do atual quadro político, suas razões e consequências. O texto foi publicado originalmente no jornal Folha de S. Paulo, onde está disponível apenas para a leitura de assinantes.
O Baile da Ilha Fiscal
“O tempo da pandemia, entre nós, é o tempo mesmo da política. São idênticos. Claro que há, em qualquer país, contágio entre as duas coisas, mas aqui sobrepõem-se até tornarem-se indistintos. Pois é próprio de um impulso como o do bolsonarismo entrar nas coisas o tempo todo e sempre pelo revés, pelo ralo, pelo incêndio, pelo tornar pior e mais violento. Não há hiato, não há pausa, e a identidade em seu sentido mais pobre, o permanecer assim, o reaparecer igual, é seu núcleo. Ao invés de despolitizar o vírus, portanto, será preciso, de nosso lado, politizá-lo loucamente. E não é para fazer isso depois, quando a quarentena terminar, quando a vida se normalizar e voltarmos pra rua (essa miragem). É agora. A luta mais chocante de todas está acontecendo neste exato momento – pessoas são mandadas à morte. Esses Grandes Sacanas, esse combo de ressentimento popular com sadismo de elite, não para nem vai parar nunca. Sofrem, como os zumbis das séries e dos filmes B, de uma fome que não pode ser saciada. Nós é que temos de pará-los, ainda que fechados em nossa casa. Nossa quarentena não deve ter nada de doméstica. Não pode ser feita de minisséries, leituras de Proust, cuidados com orquídeas – nossa varanda deve se transformar, não sei como, numa arena pública.”
Livro
Arquivo Pandemia: diários íntimos, recortes poéticos, históricos, geográficos, políticos, antropológicos, artísticos, psicossociais do isolamento
Organizadoras: Andréa Casa Nova Maia e Vera Casa Nova
Editora UFMG
Gratuito