“Um chão fissurado, ferido, desagregado. Um chão que berra”. Assim a artista visual Helena Lopes define o chão do Museu Estadual de Auschwitz-Birkenau, no sul da Polônia, onde ficava o maior campo de concentração do regime nazista.
Foram as percepções dessa visita que deram origem à mostra “Do chão para o chão”, que abre nesta quarta (27), às 19h, na Unibes Cultural, com 29 obras inéditas que reúnem imagens digitais, impressões em fine art, vídeo projeção e textos, como um desdobramento dos processos de pesquisa em gravura da artista. Em exibição até o dia 29 de outubro, a visitação pode ser feita de terça a sábado, das 12h às 20h, e aos domingos, das 12h às 19h, com entrada gratuita e classificação livre.
A exposição tem curadoria de Renata Azambuja e expografia de Gero Tavares. No evento de abertura, Helena Lopes participará de uma conversa junto ao artista visual Sérgio Fingermann e o psicanalista David Léo Levisky. Ela também apresentará o livro autoral desenvolvido em paralelo à exposição, com o mesmo título “Do chão para o chão”, compilando o diário de viagem e detalhes dos processos técnicos das obras.
Em 2019, a artista fez uma viagem com as irmãs para Budzyñ, na Polônia, cidade onde sua mãe nasceu. O propósito era revisitar o lugar da memória da sua origem. Em sua visita ao Museu de Auschwitz, Helena imaginou como deveria ter sido a vida naquelas condições e estabeleceu paralelos com a história de sua família, que migrou para o Brasil ainda na primeira metade do século 20.
“Durante a visita ao museu, olhei para baixo e vi o chão estupendo, não restaurado e os buracos preenchidos com o cimento. Disso formou-se uma cartografia visualmente incrível. Minhas pesquisas posteriores indicaram que há ali três cores de chão, de três materiais diferentes, e que são referentes a três momentos da história desse lugar. A branca foi a primeira, seguida a vermelha e por último a de concreto, quando o espaço foi transformado em museu. Fotografar foi muito difícil, restou-me praticamente a possibilidade de me abaixar e registrar o espaço reduzido à frente dos meus pés”, compartilha.
Ao retornar para o Brasil, Helena manipulou as imagens com o Photoshop e foi alterando a experiência original, de acordo com a seu processo criativo. “Só fui entender o circuito que fiz quando cheguei em casa. Surgiram os personagens mentais que se tornaram meus guias, aos quais depois dei nomes. Trabalhei os personagens mentalmente como se eu fosse uma arqueóloga que descobriu o objeto e cautelosamente vai retirando a terra que está ao redor”, completa.
Renata Azambuja, curadora da exposição, diz que “Do chão para o chão” reúne realidade e ficção. “Com dois tipos de narrativas, a visual de fotografias e vídeo e a dos textos manuscritos tirados de anotações de viagem, a artista imagina e inventa as histórias sobre a família dela e as imagens a partir das fotografias do chão que fotografou”, explica.
Desde os anos 1970, Helena trabalha com a gravura em metal e o papel como suporte. Nos últimos anos, tem explorado novas modalidades de trabalhar a imagem pela impressão. “Helena é uma artista visual de 81 anos, que se apropria da mídia digital, do uso do computador como suporte para transformar o seu frame na imagem final”, afirma ainda a curadora.
Experiência
Com expografias diferentes, a mostra “Do chão para o chão” acontece simultaneamente na Galeria Unibes Cultural, em São Paulo, e no Museu Nacional da República, em Brasília. Em São Paulo, o chão será adesivado com as imagens das fotografias que deram origem à mostra e serão exibidas junto com as imagens manipuladas digitalmente.
Em outubro serão realizadas duas programações complementares à mostra. No dia 4, às 19h, Helena Lopes e Renata Azambuja convidam o público para uma roda de conversa e visita guiada pela exposição. E no dia 18, também às 19h, será realizado um bate-papo literário sobre os livros “Do chão para o chão”, que será lançado na ocasião, e “Meu pai, um desconhecido”, de David Levisky. Ambas as publicações abordam a questão da ancestralidade e da preservação da memória pessoal e coletiva.