No Japão, tsuru é uma ave sagrada que simboliza boa sorte, felicidade, longevidade e fortuna. É, também, considerado o pássaro companheiro dos eremitas, que se refugiavam nas montanhas para meditar, pois podia viver até mil anos, reza a lenda. Percussionista, compositor e inventor de instrumentos, Johnny Herno pegou emprestado o nome desse animal fabular para dar título a seu primeiro álbum solo. Rico em significados, tal como o tsuru oriental, o “Tsuru” do artista mineiro celebra a potência da produção percussiva contemporânea e da inventividade musical brasileira, além de prestar homenagem ao músico pernambucano Naná Vasconcelos (1944-2016) e aos povos da floresta. O álbum apresenta 11 faixas autorais inéditas, sendo uma com “participação” do ilustre homenageado.
Criador do fascinante “berimlata” – tipo de monocórdio feito com arco de semente de biriba, tal qual o berimbau, mas com um arame de pneu e um latão de tinta no lugar da cabaça –, Johnny Herno lança o disco entre abril e julho deste ano, com uma série de quatro shows com convidados, além de oficinas e exposição, em Belo Horizonte. A estreia é no dia 20 de abril, sábado, mesma data em que o álbum chega às plataformas digitais de streaming. O show acontece às 19h, no Teatro Raul Belém Machado, com participações do percussionista Daniel Guedes e do guitarrista e produtor musical André Cabelo. Os ingressos são gratuitos, estão disponíveis para retirada online pela Sympla neste link e também serão distribuídos na portaria, a partir de uma hora antes da apresentação.
Após a estreia, a circulação de “Tsuru” contará com outras três datas: dia 1º de junho, sábado, às 15h, no Parque Lagoa do Nado, com os percussionistas Carlinhos Ferreira e Babilak Bah; dia 2 de junho, domingo, às 10h, no Parque Ecológico e Cultural Professor Marcos Mazzoni, com o pianista Rafael Martini; e dia 7 de julho, domingo, às 15h, no Centro Cultural Vila Fátima, com a cantora Elisa de Sena. Paralelamente aos shows, o artista ministra a oficina “O processo criativo que norteia o compositor intuitivo” no dia 2 de maio, quinta-feira, às 10h, no Centro Cultural Venda Nova; e no dia 4 de junho, terça-feira, às 14h, no Centro Cultural São Geraldo. Para completar o lançamento, será realizada uma exposição, em junho, em data a confirmar, no Centro Cultural São Bernardo, que apresenta o “berimlata” e conta mais a história do instrumento.
“Nesta primeira apresentação, teremos as participações de dois músicos que gravaram o álbum: Daniel Guedes, nas percussões; e André Cabelo, nas cordas e no som”, sublinha Johnny Herno, destacando que “Tsuru” foi gravado no estúdio Engenho, “pilotado” por Cabelo, prestigiado produtor musical de BH e guitarrista da icônica banda de metal Chakal. “Além de ter gravado o disco, Cabelo participou com sua guitarra, que envolveu o tribal e a distorção numa referência ao estilo de som pesado. Um encontro da percussão com a frequência do metal, na música ‘Carne Seca de Cigarra’, que também traz o baque dos tambores de Daniel Guedes. Bebendo da fonte do tambor mineiro, o percussionista assina, ainda, os arranjos de cuíca e pandeiro em ‘O Sol Afinou Zabumba’”, completa.
Sons e homenagens
O show “Tsuru” é um solo de percussão e canto à capela, em linguagem eletroacústica, com ditos populares e aboios, evocando os povos da floresta e homenageando o percussionista pernambucano Naná Vasconcelos. “Quem me apresentou a arte de Naná foi o músico paraibano Babilack Bah, com quem tenho uma parceria musical de mais de 24 anos. Em uma audição do disco ‘Cantando Estórias’ (1994), foi imediata a maneira de Naná apresentar a percussão como uma orquestra popular de diferentes timbres, bem como sua vontade de propagar a Amazônia como reservatório de vida e sabedoria”, conta Johnny, recordando-se das trocas que teve com o músico pernambucano. “Tivemos uma conversa depois de uma oficina que fiz com ele em São. Lembro-me que ele me estendeu a mão e disse: ‘Johnny, eu faço isso para que os outros também possam fazer’. Essa frase foi como um sol a iluminar meu caminho, foi como uma benção”.
Durante o período pandêmico, quando o disco “Tsuru” foi maturado, Johnny pegou-se tocado por um depoimento de Naná. “Ele recitava, depois de uma sessão de quimioterapia, uma mensagem vinda em sonho, que dizia a ele estar cheio de vida, de música, de uma vibração de várias ramificações religiosas. Fiquei energizado pela fala do mestre”, relembra. “Então, liguei para Patrícia Vasconcelos, viúva e curadora da obra de Naná, e pedi autorização para usar, na introdução de ‘O Berimlata’, a risada do mestre, uma de suas marcas registradas. Ela não só deu a benção, como disse que eu tinha sentido a fundo a alma de Naná. Na música, usamos também o poema ‘Um budista afro-budista’, recitado por ele, e um poema meu, chamado ‘Tsuru Naná’. Infelizmente, Naná faleceu antes que eu pudesse apresentá-lo ao ‘berimlata’, instrumento que deriva do berimbau da capoeira, que ele tanto propagou pelo mundo”, completa o músico, que também utiliza no disco objetos como penicos e brinquedos, além de sons onomatopaicos, gritos, sussurros e poesias.
Defensor do meio ambiente, dos povos da floresta e dos rios e nascentes, Johnny Herno presta outras homenagens em seu primeiro disco solo. “Além de homenagear Naná Vasconcelos, ‘Tsuru’ traz uma responsabilidade ambiental muito grande em defesa das nascentes e rios, tratando temas como a cigarra, inseto cujo dito popular o canto tem o poder mágico de evocar as águas, em ‘Carne Seca de Cigarra’; e o mitológico, no encontro do minotauro e da mula sem cabeça, da fênix e do sagitário, em ‘A Encruzilhada dos Cardumes Carnívoros’. Outra homenagem é dedicada ao artista do ruído Babilack Bah, que traz a enxada é apresentada como ferramenta-arma e instrumento musical na canção ‘A Cura da Fome’. E há, ainda, a participação mais que especial de meus pais, Eunice e Horácio, na faixa ‘Bença Mãe Bença Pai’, que retrata o percurso rumo ao óvulo”, afirma Johnny, ressaltando que a arte de “Tsuru” é assinada pelo artista visual Caio Ronin, que também é natural de Santa Luzia.
Depois da circulação, Johnny Herno pretende juntar no palco, em sua cidade-natal, parceiros com quem se apresenta desde o começo de sua trajetória. “Quero fazer uma grande apresentação reunindo artistas que acompanho desde o início da carreira, como Tom nascimento, Seu Ribeiro, Erick Duarte e Gui ventura. E aí o voo ‘ Tsuru’ parte pelo Brasil e, quem sabe, pelo mundo, para nutrir o planeta com o bem estar da criação; apresentando a percussão como elemento fundamental da composição, a exemplo de grandes músicos como Naná Vasconcelos, Airto Morera, Djalma Corrêa, Hermeto Paschoal, Babilack Bah e Carlinhos Ferreira, todos banhados pela cultura popular e a música súbita”.