Luiz Felipe Bazzo é CEO do Transferbank, uma das principais soluções de pagamentos e recebimentos internacionais do Brasil.
Nos últimos anos, o número de unicórnios (startups privadas avaliadas em US$ 1 bilhão ou mais) disparou. Segundo a CB Insights, de 2012 a 2021 houve um crescimento acelerado de novas empresas que entraram na categoria anualmente. Em 2021, foi atingido o pico com 537 novos unicórnios, sendo um aumento de impressionantes 292% com relação a 2020. Entretanto, já em 2022 iniciou-se o ciclo de inverno das startups e para o primeiro trimestre de 2023, já é notado o menor nível em 6 anos. O número de novos unicórnios caiu por 5 trimestres consecutivos, com apenas 13 startups atingindo a marca de US$ 1 bilhão no primeiro trimestre de 2023 — o menor valor trimestral desde 2017.
Coletivamente, os unicórnios do mundo valem US$ 3,83 trilhões. À medida que os unicórnios saem da lista – por meio de uma saída ou após um down round ou falência – podemos até ver o número total de unicórnios diminuir nos próximos trimestres.
Até então, entre as maiores razões pela expansão estava o acesso ao financiamento privado, garantindo tempo e privacidade para construírem modelos de negócios estabelecidos com o desenvolvimento de propriedades intelectuais e outros ativos internos. No entanto, com o desequilíbrio crescente entre oferta e demanda de capital, por motivos que vão desde os efeitos da pandemia de Covid-19, conflito entre Rússia e Ucrânia até a inflação elevada e consequentemente alta no juro, algumas empresas têm buscado saídas como as fusões e aquisições (M&A).
Dentro dessa tendência, há alguns entraves, ligados ao fato do mercado em questão ser um tanto conservador. A começar pelo fato dos unicórnios enfrentarem desafios significativos ao procurarem potenciais compradores, devido ao interesse limitado dos mesmos. Uma boa parcela das corporações está optando por recomprar ações da empresa, a fim de agradarem os acionistas e sinalizarem confiança no futuro da companhia.
A crescente pressão regulatória sobre as bigtechs também entra como um obstáculo no setor, uma vez que pode afetar diretamente a busca por aquisições por parte das startups com poucos recursos. O governo do presidente norte-americano Joe Biden, por exemplo, tem intensificado a repressão antitruste no segmento tech, colocando marcas como a Meta na mira dos reguladores; a gigante da tecnologia está sendo processada pela Federal Trade Commission (FTC) por violações antitruste, relacionadas à compra do WhatsApp e do Instagram.
Ou seja, com cenário regulatório menos favorável ou exigências de desinvestimento, há a possibilidade do processo de aquisição se tornar mais caro e demorado para as empresas envolvidas. Como resultado, muitos compradores em potencial tendem a optar por não prosseguir com as negociações, ciclo que já foi sentido entre os unicórnios. Em 2022, as fusões e aquisições globais lutaram para acompanhar o recorde de 2021 e viram os valores agregados dos negócios caírem 37% ano a ano. Os volumes de negócios retornaram aos níveis pré-pandêmicos, quase no mesmo nível de 2019, como aponta um levantamento da Global M&A.
Em outras palavras, de um lado não há disponibilidade de capital para este setor como antes devido a queda do apetite a risco, e do outro o mercado e os reguladores federais aparentemente estão menos capazes (ou tolerantes) de apoiar grandes transações de fusão e aquisição. É um cenário delicado para as startups e sendo um beco que pode não ter uma saída fácil e exige olhares estratégicos das lideranças.
A escassez de investidores no mercado de M&A pode ser um desafio para as empresas de tecnologia que buscam financiamento para crescer e expandir seus negócios. Uma alternativa para este período de escassez seria buscar aumentar sua rentabilidade, reduzindo custos e aumentando a eficiência operacional. Isso pode reduzir a necessidade de financiamento externo e tornar a empresa mais atraente para investidores potenciais.
Não há muitas escapatórias aos unicórnios, a não ser se prepararem para enfrentar a carência de investidores, com ajustes internos de custos e despesas, além de reavaliar modelos de negócios. Até mesmo a opção do IPO (Oferta Pública Inicial, nas iniciais em inglês), por ora, não tem sido a aderida, devido as bolsas terem entrado em uma espiral negativa, principalmente, por conta do avanço da taxa de juros. Um levantamento da consultoria EY mostra uma queda global de 45% no número de IPOs em 2022. Em volume arrecadado, a queda foi ainda maior, de 61%, para USD 179,5 bilhões. No Brasil, a B3 fechou o ano de 2022 sem nenhuma abertura de capital, o que não ocorria desde 1998. Em 2021, foram 46 IPOs em em 2020, 28. Para 2023, ainda notamos a paralisação dos IPOs no Brasil.
Dessa forma, para as empresas que ainda não se sentem prontas o suficiente para um ação audaciosa como essa, a melhor estratégia é simplesmente o “fazer acontecer”, expandindo os negócios de forma orgânica com produtos e serviços de qualidade e um bom fluxo de caixa. Em suma, ao assegurar por conta própria um futuro promissor, a organização acaba sofrendo menos impactos por fatores inerentes a ela mesma.
De todo modo, 2023 reserva implicações para o ecossistema de empreendimentos como um todo. Os unicórnios que já são altamente valorizados e, de fato, alvos atraentes para potenciais compradores, continuarão com essa identidade, mas seguindo com dificuldades em encontrar corporações que tenham o dinheiro necessário, a aprovação dos acionistas e a autorização regulatória para prosseguir com uma aquisição. Mais intuitivamente, isso deve aumentar a restrição do já limitado número de opções de liquidez para as startups, com a chance de prejudicar tanto o poder de negociação delas quanto às suas avaliações. Além disso, é fundamental que as startups se adaptem às mudanças do mercado e estejam dispostas a fazer ajustes em seus modelos de negócios, se necessário. Em resumo, definitivamente esse ano pode ser um divisor de águas para o setor.