Para muitas pessoas, a entrevista de emprego é um momento de nervosismo. Como passar, naqueles poucos momentos, que você é competente para exercer aquele cargo, que tem as qualificações necessárias? Para parte da população, no entanto, não basta apenas se preocupar em como mostrar suas qualidades. O próprio ato de mostrar-se pode ser um ponto negativo para a conquista e, depois, a permanência em um emprego ou estágio.
Um mapeamento do Centro de Estudo de Cultura Contemporânea (CEDEC) mostra que, apenas na cidade de São Paulo, 42% das pessoas transexuais não exercem nenhuma atividade remunerada. Este número inclui travestis, mulheres trans, homens trans e pessoas não-binárias. Dentre as pessoas que exercem atividades remuneradas, 58% realizam trabalho informal ou autônomo, de curta duração e sem contrato.
O que significa, então, o trabalho para esse grupo miniorizado? Foi esse o olhar que Rodrigo Moreira, formado em Administração pelo CEFET-MG, lançou em sua pesquisa “Os sentidos do trabalho para uma mulher transexual: a história de Ariel”. Este cenário mais amplo é discutido a partir da vivência de uma colega sua de trabalho: Ariel, funcionária pública de 24 anos e atuante no Sindicato dos Bancários de Belo Horizonte.
“O tema surgiu de uma percepção real que eu tinha acerca do assunto”, explica Rodrigo. “Como já conhecia algumas pessoas trans, no meu ciclo de amizades, e via a real dificuldade na sua obtenção de uma vaga de emprego, tentei conciliar o meu trabalho de conclusão de curso com um projeto que causasse algum tipo de impacto social”.
A inserção no mercado de trabalho é um tema importante para se pensar nas exclusões pelas quais as pessoas trans passam. A Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), em levantamento de 2021, nos lembra que mulheres trans e travestis são maioria na prostituição – atividade que traz uma série de riscos: dos assassinatos de pessoas trans mapeados no ano, 78% foram direcionados contra profissionais do sexo, mais expostas à violência direta e ao estigma que recai sobre essa atividade. A Antra também traça um panorama que ajuda a explicar o alto número de mulheres trans e travestis na prostituição e que são afastadas do mercado formal de trabalho. Pessoas trans passam por um processo de exclusão familiar, social e escolar: a Associação estima que mulheres trans e travestis são expulsas de casa pelos pais com 13 anos de idade, em média. Cerca de 0,02% estão na universidade, 72% não possuem o Ensino Médio e 56% o Ensino Fundamental. Esses dados mostram uma dificuldade de qualificação profissional.
Mas, mesmo para a pequena parcela que consegue essa qualificação, os problemas não acabam. Rodrigo relata que a maioria das pessoas trans que conhecia estava inserida na informalidade, como em empregos na área da beleza ou na prostituição. “Algumas delas possuíam um certo grau de escolaridade que possibilitaria uma vaga cabível àquela formação. No entanto, a partir do momento em que os empregadores percebiam a distinção entre o sexo biológico e a identidade de gênero, havia essa negação quanto ao emprego pretendido”, detalha. Mesmo para quem ultrapassa essa barreira e conquista o emprego, o dia a dia no trabalho traz novas dificuldades. No caso de Ariel, ela enfrentava dificuldades, como o uso do banheiro e tratamento pelo pronome correto e pelo seu nome social.
Para Rodrigo, a pesquisa mostra um grande problema social no Brasil e ressalta a importância que o emprego formal gera na vida de pessoas trans. “Além de obter dinheiro para os gastos com a transição, o trabalho imputa dignidade em relação à família e à sociedade, de modo geral”, afirma. Essa inserção, segundo ele, descontrói a imagem das pessoas trans, atreladas às drogas e à prostituição. “Desse modo, criam-se modelos e expectativas palpáveis para outras pessoas transexuais que pretendem adentrar o mercado de trabalho e cria uma espécie de jurisprudência para empresas que podem se espelhar em organizações que já ajudam nessa inserção”.