A campanha Setembro Azul marca um período específico do ano para chamar a atenção de todos sobre os desafios e conquistas da comunidade surda e de pessoas com alguma deficiência auditiva. Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) relatam cerca de 466 milhões de pessoas com problemas de audição no mundo. No Brasil, mais de 30 milhões de indivíduos apresentam algum grau de surdez.
Mais do que apresentar as dificuldades sofridas por surdos e deficientes auditivos, o Setembro Azul procura mostrar à população em geral que é possível (e necessário) integrá-los em serviços e atividades básicas do dia a dia, ainda restritas a pessoas com algum tipo de desordem no sistema auditivo. “A comunidade surda é alegre, divertida. Eles dançam, promovem atividades e têm sua história e sua cultura. O Setembro Azul não é destinado apenas aos surdos, mas a todos nós, para que ocorra uma conscientização da população. Precisamos mostrar como, infelizmente, as pessoas surdas ainda enfrentam barreiras para integrar-se à sociedade”, ressalta Christiane Mara Nicodemo, fonoaudióloga do Hospital Paulista.
Diagnóstico e tratamento
Conscientizar a população significa também mostrar a importância do diagnóstico e do tratamento precoce da deficiência auditiva. Conforme explica José Ricardo Testa, otorrinolaringologista do Hospital Paulista, a deficiência auditiva é invisível e pode ser negligenciada pelo paciente e por seus familiares. “As pessoas podem achar que o paciente está distraído, confuso e não com perda de audição. O próprio deficiente pode considerar que o fato dele admitir que está com perda de audição o colocaria num patamar inferior, ou que pareceria que ele é mais velho, o que não é necessariamente verdadeiro”, explica o otorrinolaringologista.
De acordo com Christiane, o diagnóstico precoce é muito importante para o tratamento e reabilitação, e todos estes processos envolverão a atuação conjunta do otorrinolaringologista e do fonoaudiólogo. “O primeiro exame que pedimos é a audiometria, que irá avaliar a capacidade auditiva do indivíduo. Se houver alteração, ou outra complicação, o médico pode solicitar outros exames para traçar o diagnóstico. A partir daí, será o caso de avaliar se teremos tratamento medicamentoso, cirúrgico ou também a prótese auditiva. No entanto, todos esses tratamentos demandarão uma reabilitação”, explica a especialista.
Os médicos ressaltam que a simples utilização do aparelho auditivo (ou de outro tratamento) não garante a normalização do problema. O trabalho da fonoaudióloga será reabilitar o paciente, orientá-lo sobre o uso do aparelho, seus cuidados e manutenção. Após o diagnóstico, o acompanhamento com os médicos deverá ser feito, no mínimo, a cada três meses.
Mito da idade
Engana-se também quem pensa que o processo de perda auditiva está relacionado somente a pacientes idosos. Problemas no órgão podem ocorrer em qualquer fase da vida, influenciados por doenças características de idades distintas. “A perda auditiva é mais prevalente nos idosos, devido ao desgaste natural do sistema. Com a idade, o idoso naturalmente vai perdendo audição, capacidade de equilíbrio, visão, memória. No entanto, em pessoas mais novas [30, 40 anos], é possível ocorrer deficiência auditiva devido a doenças ligadas ao metabolismo, como a diabetes, e também como efeito colateral de medicamentos”, complementa o médico.
Importância da audiometria
Apesar de identificar possíveis alterações no sistema auditivo, a audiometria ainda é desconhecida e/ou ignorada por boa parte dos brasileiros, diferentemente dos exames de visão, por exemplo, realizados com frequência anual pelas pessoas. “A perda de audição é silenciosa, não gera incômodo aparente, não dói. Assim, as pessoas minimizam o problema e deixam de fazer o exame, diferentemente dos problemas de visão que são mais perceptíveis. É preciso tornar frequente a audiometria, assim como as pessoas sempre verificam a qualidade da visão”, aponta a fonoaudióloga.
Nas maternidades, através do Teste da Orelhinha, é possível identificar problemas auditivos nos recém-nascidos. Na fase pré-escolar, quando a criança vai para o primeiro ano, é preciso fazer o exame, pois a perda de audição gera comprometimento no aprendizado. A partir dos 45 anos, o exame deve ser anual.
Origem do evento
O Setembro Azul teve início em 1880, quando a Conferência de Milão jogou luz sobre a comunidade surda. Durante a Segunda Guerra Mundial (1939 – 1945), soldados com deficiência auditiva utilizavam uma fita azul nos braços. Em 1999, durante Conferência nos Estados Unidos, a comunidade médica voltou a ressaltar, marcar e divulgar a importância da conscientização das pessoas em relação aos deficientes auditivos.
Atualmente, ainda que a situação tenha evoluído levemente no Brasil, o Setembro Azul busca divulgar as conquistas da comunidade surda, bem como os desafios que ainda precisam ser superados. “São coisas simples da vida, que não temos noção do quanto e como é difícil para o outro. Você não vê prédios com guaritas que tenham algum tipo de acessibilidade ao visitante surdo. Nos programas de televisão, são raros aqueles que apresentam o conteúdo em Libras [Língua Brasileira de Sinais]. E, muitas vezes, as legendas são exibidas de forma muito rápida, impossibilitando que eles acompanhem o conteúdo”, conclui a fonoaudióloga.