Festival responsável pela circulação de espetáculos teatrais por mais de 15 cidades brasileiras, o Teatro em Movimento chegou ao 19º ano com um obstáculo que parecia intransponível: o isolamento social imposto pela pandemia do novo coronavírus. Em pouco tempo, o evento – idealizado por Tatyana Rubim – driblou o desafio e se transformou em Teatro EmMov Digital, plataforma pioneira que incluiu um Curso de Formação em Teatro Digital, uma websérie produzida por artistas de teatro (#Quarentemas) e três montagens teatrais inéditas, que chegam ao ambiente digital entre dezembro e janeiro. Esta última etapa do projeto foi batizada como CenaWeb e tem a coordenação de Tatyana Rubim e de Mariana Lima Muniz, professora da UFMG com pós-doutorado em Teatro e Internet.
Barbara Paz, Cacá Carvalho e Yara de Novaes assumiram o desafio de criar três projetos novos e concebidos especialmente para a internet. O trabalho teve início a partir de uma imersão com o artista multimidiático Matías Umpierrez, referência mundial pelo trabalho criado a partir de teatro, vídeo e intervenções urbanas. O período foi fundamental para a definição dos temas e das pesquisas que os três artistas começariam.
Desde então, foram produzidos três trabalhos que dialogam com o universo digital e o atual mundo pandêmico de formas distintas. Através de recursos como a transmissão ao vivo, as narrativas dos games e as relações entre teatro e audiovisual, as montagens chegarão aos espectadores de forma gratuita pelo site do Teatro em Movimento.
‘Ítaca, 365’ (Cacá Carvalho), ‘Ato’ (Barbara Paz) e ‘(Des)memória’ (Yara de Novaes) vão estrear respectivamente nos dias 4 de dezembro, 8 de dezembro e 10 de janeiro. ‘Ítaca, 365’ fará temporada virtual de até o próximo dia 12, enquanto ‘Ato’ ficará disponível na plataforma por 30 dias.
‘Estamos fazendo o teatro do possível. É teatro porque são pessoas do teatro e, ao mesmo tempo, exploramos as diversas teatralidades existentes no universo digital e sua capacidade de manipulação e transformação, permitindo uma interação diferenciada com o espectador. Não é só colocar uma peça na web, mas explorar a web como linguagem em suas especificidades’, reflete Mariana Lima Muniz. ‘Foi preciso entender este novo ambiente, trazer os profissionais certos e produzir algo novo para um público que também deve ser considerado um ‘novo espectador’, por se comportar de modo diferente do presencial. É o desafio de construir o novo para o novo normal’, complementa Tatyana.
O Teatro EmMov Digital conta com os patrocínios da Cemig, Instituto Unimed-BH (através do incentivo de mais de 5,1 mil médicos cooperados e colaboradores) e apoio do Itaú, por meio da Lei Federal de Incentivo à Cultura, do Ministério do Turismo.
Sobre as montagens:
‘Ítaca, 365’ – A íntima odisseia de Cacá Carvalho
Em seu título, ‘Ítaca, 365’ já entrega algumas pistas sobre o tema e a narrativa desta primeira estreia do CenaWeb. Se o ponto de partida é o clássico de Homero (‘Odisséia’), a estrutura do trabalho se baseia em pontos de conexão entre o referencial texto grego e elementos da trajetória e da intimidade de Cacá Carvalho, cujo apartamento – localizado no prédio de número 365 – foi inteiramente modificado para servir de cenário ao projeto.
Idealizado em parceria com o dramaturgo Vinicius Calderoni e o pesquisador Guilherme Gontijo, a montagem flagra o retorno ao lar de um homem após um longo tempo, tal qual Ulisses na secular obra. É um personagem do passado em um mundo novo e arrasado. O cenário encontrado gera uma intensa decepção, pois nada está do jeito que ele imaginava.
‘O isolamento social nos proporcionou voltar para a casa, voltar para dentro, ver coisas que não víamos mais e repensar’, reflete Cacá sobre a origem do projeto, quando foi afetado pessoalmente por questões que o levaram a pensar em voltar para Belém, sua cidade natal.
Ao desenvolver o texto de ‘Ítaca, 365’, Vinicius ressalta que a dramaturgia se originou a partir do espaço cênico, a ‘casa-cenário’ de Cacá, seguindo uma espécie de roteiro de viagem pelo apartamento, em processo colaborativo com o cenógrafo Marcio Medina. O local recebeu camadas e texturas de envelhecimento e mofo e teve seus móveis cobertos por panos brancos – em uma alusão ao abandono da partida e à cor do luto na cultura oriental. Entre os elementos cenográficos, também chama a atenção o uso da água, que invadirá vários cômodos e o ambiente externo do edifício.
A montagem será transmitida ao vivo – condição inicial de Cacá para o trabalho – e contará com algumas inserções gravadas. As outras personagens poderão aparecer por vídeo ou através de objetos e figurinos, com exceção de um cachorro, que estará em cena presencialmente. Fragmentos do original grego vão aparecer na íntegra, com a tradução do professor Guilherme Gontijo, especialista na área.
Entre trechos da seminal obra e cenas originais desenvolvidas a partir de memórias de Cacá, a dramaturgia terá ainda citações de diversos pensadores sobre como ‘Odisseia’ reverberou em suas escritas. Foi da fricção entre esses três eixos que nasceu o texto final de ‘Ítaca, 365’, um trabalho de natureza híbrida que almeja provocar uma investigação permanente.
Músico e letrista de diversas canções em carreira solo ou no grupo 5 a Seco, Vinicius aponta que a linguagem poética foi encontrada pelos criadores como uma bússola que os guiou para o resultado final. ‘O trabalho tem uma confluência de questões. Partimos de uma obra fundadora e identificamos logo de início que ela precisava estar no corpo do texto o tempo todo’, analisa o dramaturgo.
Guilherme Gontijo, que prestaria uma assessoria teórica inicial, acabou assinando o texto juntamente com Vinícius, em seu primeiro trabalho teatral. Do alto de uma carreira marcada por muitos êxitos nos palcos e vitoriosos monólogos, Cacá Carvalho também experimenta a estreia em um formato absolutamente novo:
‘É uma oportunidade rara poder trabalhar em um contexto inédito aos 67 anos e com tanto tempo de carreira. Fomos todos atravessados e atingidos por este momento difícil e tivemos a chance raríssima de repensar o mundo e as nossas vidas. A pandemia nos fez perceber pequenos, assim como nós realmente somos. A ‘Odisseia’ é muito grande, mas nós somos muito pequenos’, finaliza Cacá.
Serviço:
‘Ítaca, 365’ – Temporada de 4 a 7 e de 10 a 12 de dezembro. Sempre às 20h, pelo site do Teatro em Movimento. Gratuito.
Ficha técnica:
Direção: Cacá Carvalho
Idealização e coordenação geral do Projeto Teatro Em Mov. Digital: Tatyana Rubim
Dramaturgia*: Vinícius Calderoni e Guilherme Gontijo Flores
Direção de Arte : Márcio Medina
Assistência de direção: Victor Mendes
Elenco: Cacá Carvalho, Vera Sala e Theo Retti
Direção de fotografia e edição: Junae Andreazza
Desenho de Som e Trilha Sonora: Paulo Santos
Criação de luz: Fábio Retti
Produção Executiva: Bárbara Amaral
Equipe Rubim Produções:
Sonia Branco – administrativo / financeiro
Juliana Peixoto – produção / assistência financeira
Letícia Leiva – comunicação digital
Mariana Angelis – designer e assistência pedagógica
Apoio: Itaú e Objetos de Cena Antiguidades
Patrocinio: Instituto Unimed – BH e Cemig
Realização: Rubim Produções, Secretária Especial da Cultura e Ministério do Turismo
*Com excertos de Homero, por Guilherme Gontijo Flores , Alfred Tennyson, por Rubens Canarim, Bernardo Lins Brandão, Joseph Brodsky por Nelson Ascher e Boris Schnaiderman, Karen Blixen, Konstantinos Kavafis, por Haroldo de Campos e Mônica de Aquino.
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‘(Des)memória’ – Yara de Novaes cria um inédito jogo teatral virtual para investigar o passado familiar e refletir sobre representatividade e embranquecimento no Brasil
Há algum tempo, Yara de Novaes se surpreendeu com uma foto da bisavó que estava em uma caixa recebida de seu pai e jamais aberta: era uma senhora negra, no final do século XIX, e estava vestida como sinhá. A história ficou adormecida e, ao receber o convite para integrar o CenaWeb, ela resolveu usá-la como ponto de partida para uma investigação dos antepassados, visando entender o processo de embranquecimento sofrido por sua família desde então.
Para montar o quebra-cabeça familiar embaralhado entre dados oficiais, lacunas e memórias, Yara estruturou sua montagem através da linguagem dos games, apostando em uma interação radical com os espectadores. ‘No teatro jogamos o tempo todo um jogo que não acontece somente no palco e que se completa através de um pacto com quem está assistindo’, reflete a atriz e diretora, que ressalta as muitas possibilidades dramatúrgicas que este novo universo trouxe.
Durante a experiência, o espectador poderá optar por pistas que os levarão para cenas gravadas, entre diálogos, depoimentos e narrações feitas pela diretora e um elenco formado especialmente para a ocasião. Além da equipe artística, Yara contou com experientes profissionais do universo digital, que se tornaram indispensáveis em toda a criação do ‘game arte’, termo que criou para designar o novo gênero.
O projeto foi batizado como ‘(Des)memória’, neologismo presente em um poema da atriz e diretora mineira Elisa Santana. ‘A partir de herança e memória, ‘(Des)memória’ reflete sobre racismo e faz pensar o Brasil de hoje. A nossa pesquisa investiga coisas que lembramos e também aquelas que precisaram ser esquecidas. Para seguir em frente é preciso olhar para trás, usando a noção de que o tempo é espiralado, tudo estará sempre interligado’, analisa Yara.
O processo teve cenas gravadas em endereços icônicos, como a sede do grupo teatral Espanca!, conhecido pela luta por representatividade, e a Praça Minas Gerais, no centro de Mariana (MG), cidade cujo rompimento da barragem em 2015 atingiu em sua maioria a população preta e evidenciou ainda mais o racismo estrutural no país. Esta locação é a primeira imagem vista pelo espectador – ou jogador – ao acessar ‘(Des)memória’. A partir de então, ele poderá escolher o caminho pelo qual pretende percorrer durante a sessão.
‘Dos três projetos este é o que mais radicaliza na questão digital. Apesar de ser gravado previamente, esta montagem traz uma experiência única, assim como no teatro presencial. O diferencial é que o espectador participa ainda mais ativamente, em uma relação de intimidade muito próxima’, analisa Mariana Lima Muniz, responsável pela coordenação do Cena Web ao lado de Tatyana Rubin, idealizadora do Teatro EmMov Digital.
Serviço: Disponível a partir de 10 de janeiro no site do Teatro em Movimento.
(Des)memória / Ficha Técnica
Direção: Yara de Novaes
Assistência de criação: Lucas Costa
Dramaturgia: Vinícius de Souza
Assistência de Dramaturgia: João Gabriel
Elenco: Alexandre Cioletti, Cyda Moreira, Fafá Rennó, Josy Anne, Lucas Costa e Yara de Novaes.
Desenho de Som e Trilha Sonora: Barulhista
Desenvolvimento e Design de interação: Abstracto Studio
Produção gráfica: Abstracto Studio,Nívea Gomes e Rodney Arôuca
Game Design e Composição digital: Italo Travenzoli
Figurinista: Lira Ribas
Fotos (Menu) e captação de imagens (abertura): Murillo Basso
Captação/edição de imagens (cena final): Pablo Bernardo
Captação áudios/off: Morris Picciotto
Criação e edição de vídeos (abertura e créditos): Estúdio Ofício / Tiago Macedo Supervisão artística: Profa. Dr. Mariana Lima Muniz
Consultoria: Profa. Dr. Leda Maria Martins – UFMG / Prof. Dr.Pablo Gobira – UEMG / Profa.Dr. Heloísa Maria Teixeira – UFOP.
Idealização e Coordenação de produção: Tatyana Rubim
Realização: Rubim Produções
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‘Ato’ – Barbara Paz cria cine-teatro para falar da solidão no mundo pós-pandêmico
O teatro e o cinema ocupam importantes espaços na trajetória artística de Barbara Paz. Após estabelecer parcerias com importantes grupos e diretores teatrais no início da carreira, ela enveredou pelo audiovisual em experiências como atriz, apresentadora e diretora. Recentemente, experimentou o reconhecimento internacional ao ser premiada com o Leão de Ouro de Melhor Documentário no Festival de Cinema de Veneza por ‘Babenco – Alguém Tem que Ouvir o Coração e Dizer: Parou’, dirigido por ela e com lançamento comercial previsto para os próximos meses.
Seu trabalho no Cena Web se estabelece exatamente entre as fronteiras de teatro e cinema, em um gênero que ela gosta de definir como ‘cine-teatro’. Não é à toa que o trabalho fala sobre artistas e a delicada situação enfrentada pela classe durante a pandemia. A linguagem cinematográfica se funde à gramática teatral nas cenas e no processo de montagem, onde Barbara conta ter buscado uma estética sensorial, com diversas camadas de emoções e texturas.
‘Queria falar de artistas que ficaram solitários, sem poder se apresentar, sem público, sem nada. A história se passa em um mundo pós-pandêmico, em que todos estamos com cicatrizes e traumas por conta de toda a situação vivida’, conta Barbara, que filmou em Ouro Preto (MG). Uma das locações ajudou a trazer o perfume teatral para a obra: a secular Casa da Ópera, construída em 1770 e considerado o mais antigo teatro em funcionamento nas Américas.
Com argumento de Barbara e roteiro assinado por Cao Guimarães, o projeto é focado no encontro entre dois personagens: uma mulher solitária (Alessandra Maestrini) e um enfermeiro que enfrenta a viuvez precoce ao perder a esposa para a covid-19 (Eduardo Moreira). Absolutamente sozinho, ele contrata os serviços da mulher, que passara a ganhar a vida oferecendo afeto, através de carinhos, abraços e até a partilha de uma noite de sono com o cliente, para que eles posam dormir abraçados.
Barbara, Cacá e Yara apresentam três projetos bem diferentes, mas gerados após uma mesma experiência: a passagem virtual pela ‘Clínica de Obsessão’, laboratório para artistas liderado pelo argentino Matías Umpierrez, especialista em Teatro Digital e responsável por uma espécie de mentoria de todo o Cena Web.
‘A Clínica de Obsessão possibilitou três mergulhos internos muito potentes desses criadores, que expõem memórias pessoais, investigam a geografia da própria casa e refletem sobre sua classe e o mundo de hoje. Todos foram afetados pela pandemia e imagino que as obras tenham sido muito influenciadas por isso tudo’, analisa Tatyana Rubim, idealizadora do Teatro em Movimento e coordenadora do Cena Web.
Serviço: Disponível no site do Teatro em Movimento de 8 de dezembro a 8 de janeiro de 2021.
Ficha técnica:
Direção: Bárbara Paz
Idealização e Coordenação Geral do Projeto Teatro Em Mov. Digital: Tatyana Rubim
Roteiro: Cao Guimarães
Elenco: Alessandra Maestrini e Eduardo Moreira
Montagem: Renato Vallone
Direção de Fotografia: Azul Serra
Direção de Arte: Lara Tausz
Figurinista: Marina Franco
Mixagem de Som: Rodrigo Ferrante
Som Direto: Gustavo Fioravante
Assistência de Produção Executiva: Bárbara Amaral e Aline Xavier
Direção de Produção (pré-produção): Mariana Freitas
Luz Comunicação
Jozane Faleiro
jozane@luzcomunicacao.com.br
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